08 março 2007

Há 50 anos (3)



«O "Guia do Espectador"
O critério de José-Augusto França

Iniciamos hoje a publicação das notas sobre o critério dos críticos que participam em "O Guia do Espectador", com o depoimento de José Augusto França: (...) Fabricando então produtos de consumo, o cinema sujeita-se ao consumidor, aos seus gostos, ao seu nível médio de cultura. Na América, calculou-se que este nível era igual ao de uma criança de 12 anos, normalmente desenvolvida; (...)

Para o espectador-médio (que em Portugal terá entre 10 e 14 anos de idade mental) se fazem os filmes MEDIOS (**), isto é: os filmes que se subordinam a um esquema de convenções artísticas, psicológicas e morais pequeno-burguesas, procurando entretê-las com maior ou menor habilidade técnica, com mais ou menos espírito. (...) Se a sua habilidade de entretém e o seu espírito alcançam uma certa qualidade, passarei a dizer que são (**+).

Às vezes, porém, e não são poucas, ou o realizador é mentalmente mais novo que o espectador, ou o filme exagera a sua subserviência perante a plateia: lisonjeia o seu esquema mental, rebaixa-o, dá-lhe um produto insuficiente para as suas necessidades tabeladas - [direi] que é um filme MEDIOCRE (*), classificação que prefiro ao escolar "sofrível".

Outras vezes ainda, também numerosas, uma total falta de habilidade, sequer comercial, desconhecimentos, sequer técnicos, de inteligência, sequer formal (ou condições fortuitas de urgência, de encomenda, etc.), reduzem a produção à categoria de filme MAU (.), classificação que será mais clara que "sem interesse" - pois que sem interesse se apresentam também filmes Médios e os Medíocres.

Resumindo: temos só filmes MEDIOS para o espectador-médio e os filmes Inferiores (à média) que podem ser MEDIOCRES ou MAUS - todos estes sem interesse. Os Médios tanto faz vê-los como não. Os Inferiores não devem ser vistos.

No lance oposto da escala, temos os filmes Superiores (à média). São os BONS, os MUITO BONS, as OBRAS-PRIMAS.
BOM (***) será o filme que traduza qualquer inquietação, qualquer invenção, como obra plástica ou como obra de ficção específica. Que se oponha, ou pelo menos ignore o convencionalismo moral, que exponha validamente (isto é, como obra de arte) um problema psicológico ou social, sem o iludir nem fazer divulgação de pequena ciência.

Algumas vezes estas intenções ficam em intenções, são mal efectivadas. Os filmes assim, embora falhados, merecem porém destaque em relação aos Médios - a sua "família" é outra: têm interesse. Bons não são, por falta de qualidade, mas devem ser-lhes emparelhados. Classificá-los-ei então com as 3 estrelinhas dos Bons, mas separarei uma delas por um traço (**/*).

Nos filmes MUITO BONS (****) as qualidades dos Bons avantajam-se. Não há hesitações nem desequilíbrios: são filmes perfeitos, exemplares na história do cinema. São os filmes dos grandes talentos. Ou então são filmes com invenções fulgurantes, que abrem mais janelas do que portas, embora estejam longe de ser perfeitos.

OBRAS-PRIMAS (*) há poucos no Mundo. Nos sessenta anos de idade do cinema, as outras artes não terão dado mais de uma dezena, cada uma. Porque haveria o cinema de dar mais? (...)»

Diário de Lisboa, 19 de Setembro de 1956
Foto: O Pintor e a Cidade (1956) de Manuel de Oliveira

Sem comentários: