18 março 2006

O mundo é pequeno



Se “O Céu Gira” é uma cosmogonia, “O Mundo” de Jia Zhang Ke será uma cosmopolia. Este mundo cabe numa pequena cidade artificial e essa cidade representa todo o mundo. Nos subterrâneos do mundo de fantasia que é o parque temático O Mundo nos arredores de Pequim, vivem as personagens desta história: dançarinas, seguranças, obreiros, etc. E cerca-os uma concepção do mundo reduzida a clichés monumentais, uma súmula inabalável do kitsch universal.

Enquanto o Céu sobre a cabeça e a terra sob os pés de Mercedes Alvarez revelam dimensões intemporais de uma visão ampla do território, o Mundo de Jia Zhang Ke concentra num pequeno espaço a representação total do globo terrestre e demonstra por extrapolação um modo de vida actual. No desenraizamento, na solidão, nos horizontes acanhados do subemprego, onde se cruzam também migrantes russos, os empregados deste parque temático são mais universais do que chineses. Por trás do simulacro mascaram-se vidas em quartos pobres e angústias sem destino. Pequenas histórias do quotidiano pesadas de condenação.

Este filme não é um documentário, mas tem algumas afinidades estilísticas: definida a cena, a câmara acompanha em plano único, fixo ou móvel, a acção iniciada, numa estética de montagem interdita. As cores sujas do vídeo emprestam às paisagens falsas a decomposição que o mundo real contém. O contraste entre cenários e espaços vividos torna visível o sistema que - tal e qual como noutro qualquer shopping ou programa televisivo ou pastilha publicitária – perverte a relação do pessoal com o social, através da alienação pelo trabalho e para o consumo.

Este parque mundial, visto à lupa, é assim uma prefiguração do sistema multinacional e da implacável lógica da economia global. Na redução da cultura histórica universal a ícone esvaziado, uma visão humanista desencantada mostra a impossibilidade de resistir.

(Em exibição no King em Lisboa)

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