02 fevereiro 2006

Afazeres



O filmes que ontem passaram no Panorama, dentro da secção A Fazer, retratavam situações de trabalho, mas, como disse Eduarda Dionísio no debate final, eram filmes tão diferentes que não poderia dizer-se que formassem um conjunto. Desde a duração às intenções, passando pelas actividades filmadas, tudo neles difere. E mesmo a maneira de serem feitos é totalmente diversa, em estilo, propósitos, técnicas. É caso para perguntar que sentido fará cotejar filmes cujas propostas tão díspares dificilmente são comparáveis.

Madalena Miranda, responsável pela programação da mostra, explicou que havia a expectativa de que surgissem filmes centrados no trabalho e no trabalhador, “figura mítica”. No entanto, o que apareceu, na maioria dos casos, são filmes mais atentos ao “gesto” e onde não estão evidentes os aspectos político-sociais. Assim, relativamente à questão laboral, o panorama do documentário é “rarefeito, heterogéneo”. Assuntos actuais ligados ao trabalho - questões eminentemente políticas como os despedimentos ou o trabalho precário - não têm grande expressão no documentário recente em Portugal. O que não invalida um outro olhar, tendencialmente mais poético que político. Mas daqui resulta uma lacuna – que persistirá como ausência testemunhal.

Assim a questão do político saltou de boca em boca. Rita Bonifácio, autora de um filme escolar – Contornos - sobre os vidreiros da Marinha Grande, explicou a sua opção por um “filme visual” em que não quisera “problematizar nada”: não quis, por exemplo, mostrar que os operários bebem 8 litros de água num dia, ou que estão sujeitos a trabalho precário. Mas defendeu que esta é também uma posição política - a opção feita por um filme artístico. Para RB, fazer cinema corresponde a uma necessidade. O processo criativo deve partir de quem faz os filmes e afirmar-se independentemente das condições financeiras disponíveis ou da receptividade aos filmes. Ana, na plateia, acrescentou que a própria natureza dos filmes é também política. A câmara é hoje como uma caneta, reforçou ED, um instrumento de expressão livre. Assim se falou do a fazer dos filmes.

Para MM o cerne da questão será: onde é que no gesto está o político. O que leva a repensar a ideia de trabalho em confronto com a pequena escala. Quando o trabalho – campo do político, por excelência - é visto através de um olhar poético ou pessoal, torna-se apolítico? Não necessariamente, mas isso depende das suas implicações. Para mim, é político aquilo que reflecte, pensa, age, organiza, incomoda áreas que dependem de regulações do colectivo (haver água para todos beberem, por exemplo) ou de normas sociais (um contrato de trabalho, mesmo inexistente). A política é o processo pelo qual se resolvem os problemas colectivos. Por vezes, o pessoal é político, mas não sempre. No entanto, o político é sempre pessoal.

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