01 outubro 2005

Para onde vai o documentário português?


Não é difícil reconhecer uma coerência no conjunto seleccionado de documentários do DocLisboa 2005. Poderei assim tentar adivinhar “para onde vai o documentário português”, segundo a perspectiva da sua “direcção artística”. Esta só pode ser uma avaliação precipitada, mas não inválida, porque baseada numa análise de conteúdo da informação sinóptica disponível.

O percurso da selecção nacional começa numas “ruínas romanas” acompanhadas de “excertos de Séneca” e, depois da visita a um sítio onde “uma pequena comunidade esperou 25 anos pela instalação da luz eléctrica”, passa para “fotografias, memórias e paisagens” da época da guerra civil em Espanha, seguidas de um “trabalho sobre a nossa memória colectiva” “utilizando apenas imagens de arquivo” dos “48 anos de ditadura portuguesa”.

Na continuidade “dá-se a palavra a dois velhos cúmplices: ao realizador que atravessou todo o século” e ao seu “incansável exegeta e divulgador”. Seguem-se mais duas reflexões no campo artístico, uma “dando a ver um fascinante processo artístico” de diálogo entre a dança e a escultura, outra situada num “cenário” de umas minas “abandonadas há anos”.

Chegamos à “turbulência da vida urbana” através de um “retrato intimista e melancólico da sociedade portuguesa contemporânea” e de um filme sobre a felicidade que, feito ao longo de 10 anos, obrigará os seus realizadores a “voltar atrás no tempo e a tentar desaprender tudo o que a vida lhes tinha ensinado de errado” para “reinventar a vida”.

Por último, dois filmes que unem o local ao universal: uma cabine telefónica que faz “ligação entre os dois lados do Atlântico”, Portugal e Brasil, e outro sobre um bairro popular que prepara a sua Marcha de Lisboa, indo “do sentido local do acontecimento popular à dimensão universal do desejo de sucesso”.

Na secção de competição internacional, e ainda naquela linha, temos “uma incursão no mundo do boxe (...) centrada na figura de um pugilista profissional”. Nesta categoria ainda, encontramos um filme sobre o “barco-clínica da organização holandesa Women on Waves impedido pelo Governo português de entrar em águas territoriais portuguesas em 2004”; outro, incluído na secção Histórias da Europa, sobre a Bósnia, um “confronto com as memórias da guerra, com a morte e com a destruição e com a sobrevivência das vítimas”; e um terceiro sobre o pseudo-fenómeno do arrastão de Carcavelos que “desmascara o pendor sensacionalista da comunicação social em Portugal”, incluído na secção de filmes de investigação.

Três filmes políticos, dois dos quais muito actuais, que fazem reflectir sobre para onde vai a política e para onde vai o jornalismo. São documentários actuantes, porque querem mudar a sociedade. E mais, segundo a sinopse do último: “um caso praticamente único no panorama nacional de produção independente com vocação interventiva”. (E no entanto, o meu documentário recusado pertence também a esta categoria dos filmes empenhados em mudar o mundo. Talvez um dia mais tarde.)

Em resumo, esta selecção desenha um percurso que começa na antiguidade e evolui até à assunção de sentimentos actuais e referentes sociais como a imigração e o sucesso mediático; esta unidade (de 12 obras) é contrabalançada com 3 filmes de acção política. Uma tendência, aparentemente, mais virada para o passado e para a intimidade e menos para o futuro e a sociedade. Será esse o caminho actual do documentário português?

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