25 outubro 2005

Feios, cómicos e maus


O teste máximo de um filme – particularmente um documentário – é no palco de um cinema. Só no grande ecrã se vai perceber se o filme tem bom ritmo, se as personagens têm densidade, se a mensagem passa, se o público reage bem. Só então o realizador e seus colaboradores, que pensaram tudo ao pormenor, se conseguem distanciar e ter uma perspectiva renovada do filme, filtrada pelas reacções e pelo clima da sala.

Pode dizer-se que o público dos filmes premiados no DocLisboa reagiu bem. Riram compulsivamente em todos os filmes (mostrados no domingo à tarde). Pode até afirmar-se que a melhor expectativa dos espectadores de documentário é essencialmente essa: desopilar e rir das misérias alheias, como numa boa farsa. Mesmo que estejam presentes os participantes, as pessoas riem alarvemente das suas mínimas fraquezas, sinceridades e tropeções. E têm razão: a vida é um circo.

E de que rimos? De tudo o que faz rir: dos pequenos incidentes, dos equívocos, dos trejeitos, da rudeza dos personagens, da sua fragilidade, do seu humor corriqueiro, das suas manifestações de ansiedade, quer seja uma família lisboeta do bairro da Bica, ou uma velhinha russa que faz vodka, ou uma figura do jetset, ou um político de direita, ou um cãozinho choroso no meio de uma mercearia.

Se formos pela apreciação do clima das sessões de documentários, podemos dividi-los em 3 tipos: há os que fazem rir, mesmo sem serem cómicos (episódios do quotidiano, personagens populares, velhos engraçados, figuras públicas caídas em desgraça, etc.); há os trágicos (guerras, revoluções, marginais, doenças, crianças infelizes); e há os mornos (os que não provocam emoções imediatas, só dão que pensar).

No caso do filme Gosto de ti como és de Sílvia Firmino (que ganhou o prémio de melhor documentário português), as pessoas riem-se do ensaiador da marcha quando ele berra e diz asneiras, riem-se de uma família de quatro deitados na cama a ver televisão e do filho que expulsa a mãe com cócegas (só parando quando ela lhe aperta os tomates?), riem-se do nervosismo dos marchantes e das piadas castiças, riem-se o tempo todo. Porque o filme é muito divertido e realmente construído como uma farsa.

Bem filmado, bem montado, sintético na construção da história e das personagens, este documentário concentra-se nos episódios excessivos – pela linguagem, pela gestualidade, pela força, pelo típico - e na graça das pessoas. A ênfase dada transforma-as em personagens de uma quase-ficção, construída com base em situações grotescas, aliás, bem realistas.

“Gosto de ti como és” é também uma excelente definição para o ofício de documentarista: conseguir chegar perto dos outros e aprender a gostar deles, mesmo que diferentes, mesmo que imperfeitos. Um documentarista acaba geralmente por criar uma relação afectiva com os sujeitos seus objectos, que, por princípio, tenta respeitar para não atraiçoar um pacto de confiança.

Fico a pensar nos cortes que fiz, no meu último documentário, quando achei que as personagem poderiam cair ligeiramente no ridículo e as quis poupar a isso. Quantas gargalhadas terei perdido?

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois é bem verdade, não que já tenha realizado algum doc, apenas participei como assistente de imagem, mas pensei sempre nessa questão "será que poria esta cena ou não". É a tal afectividade que se cria e quase que uma jura de fidelidade eterna em como não vamos usar tais imagens para algo de impróprio, mt menos para as usarmos como alvo de gargalhada!Será uma angústia e umalição eterna, talvez estes docs têm vindo ensinar alo de novo. Tenho pena d eestar longe de mais e não os poder ver