26 setembro 2005

Hollywood



Los Angeles Plays Itself
é um documentário-ensaio de Thom Andersen realizado em 2003. Recolhe centenas de imagens de filmes de ficção e começa por questionar, com alguma ironia, a visão que o cinema oferece da cidade L.A. e seus subúrbios. Procura, nos interstícios da acção ficcional, os índícios documentais que referem, anulam ou transformam os dados geográficos da sua cidade. Num exercício que começa por considerar de interesse local, vai fazendo sobressair "padrões ideológicos que transcendem os olhares individuais dos realizadores", entre os quais, por exemplo, a assimilação da arquitectura modernista californiana à perversidade dos gangsters que nos filmes a habitam, a presença inevitável do automóvel, ou a transformação da imagem da polícia local, aspectos que dominam as representações da cidade enquanto paisagem, personagem ou tema (os 3 capítulos em que se divide o documentário de quase 3 horas).

Uma impressão dominante ressalta deste estudo: as explosões, as metralhadores, os vidros partidos, os prédios desmoronados, enfim, uma colecção de catástrofes humanas em sequência que surge como subtexto. Toda esta violência permanente caracteriza os filmes hollywoodianos e a "ideologia do cinismo, dominante nos EUA, que induz as pessoas a aceitar a violência do mundo exterior e a não participar na vida colectiva", segundo explicou o autor após a sessão na Culturgest. No final deste filme-ensaio, Andersen vai procurar no cinema de autores negros (desde os anos 70) as representações alternativas de uma visão da cidade povoada por gente que anda a pé e de autocarro ou que está desempregada. Estes filmes, que ele designa 'neo-realistas', apresentam uma leitura oposta do real - humanista e política - e uma visão cinematográfica diferente, baseada na psicologia, na memória, no tempo.

É como se, após 2 horas e meia de explosões e tiros, Andersen descobrisse esse outro cinema que não é do mainstream e finalmente pusesse em causa toda a ideologia da violência (a mesma que Moore denunciou em Bowling for Columbine) e se apercebesse da existência de um mundo de excluídos sociais invisíveis aos realizadores de Hollywood pouco conhecedores da cidade real. E esta atitude constitui para o seu autor (na conversa que sucedeu ao filme) uma denúncia política que se aplica à recente catástrofe humana de New Orleans. Que a evidência surja tão tarde no filme é o que surpreende, pois para nós, que não somos americanos, ela é muito mais clara. As imagens do dia 11 de Setembro, nos primeiros momentos, pareceram ao mundo apenas mais um filme americano. A realidade ultrapassava a ficção. Mas os americanos foram muito mais lentos a compreender o alcance das suas ficções.

Afinal, como inicialmente sugerido, este documentário tem uma visão regional, dirigida ao universo cultural incrustado dos americanos, e baseada na incredulidade com que mesmo os intelectuais descobrem agora a realidade terceiro-mundista do seu modelo social dourado.

(visto ontem na Culturgest/ExperimentaDesign)

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